terça-feira, 7 de junho de 2022

Ultra-som Pulmonar: Uma nova tendência!


      A avaliação pulmonar através do ultrassom é um tema de crescente interesse na avaliação de pacientes críticos, muitas vezes aplicado por não radiologistas. Como essa técnica baseia-se no fato de que todas as agressões agudas reduzem a aeração pulmonar, o ultrassom pulmonar pode fornecer informações complementares ao exame físico e à impressão clínica, com a principal vantagem de ser realizado à beira do leito.
       O ar é uma barreira às ondas do ultrassom, e, por esse fato, a avaliação do pulmão por esse método foi considerada impossível por muito tempo. Contudo, um número crescente de estudos tem quebrado esse paradigma, demonstrando que o exame de ultrassom pode ser útil para a avaliação pulmonar de pacientes críticos, de maneira complementar aos demais achados de imagem. Ainda que o ultrassom seja tradicionalmente utilizado por radiologistas, há muitas publicações positivas em relação à realização de ultrassom pulmonar (USP) por não especialistas (emergencistas, intensivistas, pneumologistas, entre outros profissionais, dentre eles o Fisioterapeuta). A grande vantagem dessa ferramenta é a sua aplicação imediata, à beira do leito, integrada com os resultados do exame físico e da impressão clínica. Além disso, muitas razões tornam o exame de USP especialmente atraente para a avaliação de pacientes graves (Quadro 1).


       A técnica do USP baseia-se no fato de que todas as agressões agudas reduzem a aeração dos pulmões, alterando sua superfície e gerando padrões previsíveis e distintos, o que permite firmar diagnósticos e monitorar intervenções terapêuticas. Antes de abordar a utilização clínica do USP em pacientes críticos, cabe uma breve revisão sobre a técnica e sobre os achados considerados normais com a utilização desse método diagnóstico. 
       O ultrassom é uma forma de energia sonora não audível, utilizada para fins diagnósticos, numa faixa de frequência de 2-20 MHz. Seu pulso é gerado por cristais piezoelétricos presentes no transdutor do aparelho, originando ondas que são transmitidas, atenuadas e refletidas pelos tecidos. Quase toda a energia é refletida, mas a diferença da impedância acústica dos tecidos altera a força do sinal de ultrassom; isso permite obter informações sobre a localização e as características dos tecidos, que são processados em uma imagem em escala de cinza, que é a base da tecnologia do ultrassom. 

       A forma de processar os sinais refletidos determina a formação da imagem. Com o modo brilho (modo B), a amplitude da energia é demonstrada como pontos de diferentes intensidades, permitindo a criação da imagem bidimensional convencional, enquanto outra opção no processamento dos achados é o modo movimento (modo M), no qual a imagem de um objeto em particular é acompanhada ao longo do tempo






































Figura 1: Modos do ultrassom. Imagem de ultrassom cardíaco no corte sub-xifoide. Na parte de cima da imagem, modo brilho; na parte de baixo da imagem, modo movimento, no qual a imagem do objeto é acompanhada ao longo do tempo, permitindo avaliar a amplitude de sua movimentação. 

       As especificações quanto ao equipamento de ultrassom são variadas, mas geralmente são indicados aparelhos considerados comuns e amplamente disponíveis. Um transdutor curvo de 3-7 MHz, preferencialmente pequeno (para uma melhor adaptação aos espaços intercostais), é adequado. 
Ao realizar o exame, para uma satisfatória aquisição das imagens, dois parâmetros necessitam ser ajustados: a profundidade (geralmente inferior a 10 cm, dependendo do objetivo do exame) e o ganho (que amplifica os sinais, tornando a imagem mais clara ou mais escura conforme a necessidade do examinador). Para os propósitos da presente revisão, o USP abrange a avaliação da parede torácica, espaço pleural, diafragma e pulmões. A duração estimada do exame é de aproximadamente 15 min, mas operadores experientes o realizam mais rapidamente. 
         Em geral, o paciente é examinado na posição supina, com a cabeceira elevada. As linhas axilares anterior e posterior são os pontos de referência para o exame, dividindo o tórax em três zonas, que geralmente ainda são subdivididas em setores superior e inferior. Por convenção, o USP é realizado no plano longitudinal, com o transdutor perpendicular à superfície da pele. Inicialmente, com o aparelho de ultrassom no modo B, posiciona-se o transdutor com seu marcador direcionado para a cabeça do paciente e perpendicular às costelas, obtendo-se a imagem típica do USP. Os espaços intercostais adjacentes são examinados deslizando-se o transdutor verticalmente.



   








As costelas bloqueiam as ondas do ultrassom e são identificadas por sua sombra acústica posterior (letra C na Figura 2), que impede a visualização das estruturas mais profundas. Aproximadamente 0,5 cm abaixo delas, uma linha horizontal clara (hiperecogênica) é visualizada, chamada linha pleural (letra P na Figura 2). Essa linha resulta do encontro da pleura visceral com a parietal, e sua cintilância se deve ao deslizamento entre elas (deslocamento do ar). 
O parênquima pulmonar normal (assim como qualquer estrutura anatômica preenchida por gases) não é visível além da pleura, pois a presença de ar impede a propagação da onda do ultrassom. Esse fato gera um artefato de repetição, que é identificado no exame como a presença de linhas horizontais claras (hiperecogênicas), sem movimento, que se repetem em intervalos iguais, chamadas de linhas A que seria reverberação (letra A na Figura 2). 

       O achado fundamental no exame de ultrassom pulmonar é o deslizamento pleural, que consiste na movimentação (brilho ou cintilância) em ciclos regulares da linha pleural, acompanhando os movimentos respiratórios.


Vídeo 01 - Deslizamento pleural
       
 O deslizamento pleural é facilmente identificado no modo B e apresenta um sinal específico no modo M, chamado de sinal da praia — caracterizado por um padrão linear correspondendo à parede torácica (sem movimento) sobre a linha pleural (clara ou hiperecogênica) e um padrão granular homogêneo abaixo dessa, artefato esse gerado pelos ciclos respiratórios e pelo movimento do ar.


Figura 3 : Observe acima o “Sinal da Praia” visualizado no modo “M”. Na Parte inferior um padrão arenoso( = areia da praia), no meio reticular (= mar) e na parte superior um padrão mais escuro (= céu).


Vídeo 02 - Sinal da praia

    O deslizamento pleural é um achado de pulmões normais e encontra-se ausente nas patologias que alteram a mobilidade pulmonar — pleurisia, pleurodese, pneumotórax, enfisema subcutâneo, apneia, broncoespasmo severo, DPOC e síndrome do desconforto respiratório agudo, entre outros. Ao avaliar as regiões do tórax, é recomendado que o examinador identifique o diafragma e os pulmões, sendo que os derrames pleurais e as consolidações geralmente são identificados nas regiões pendentes. Vale lembrar que sempre é útil a avaliação do pulmão contralateral a fim de se comparar os achados.



Derrame pleural 

      O derrame pleural é um problema comum em pacientes críticos. Sabe-se que ultrassom é mais sensível do que o exame clínico e a radiografia de tórax para seu diagnóstico, sendo especialmente efetivo no diagnóstico diferencial entre efusões e atelectasia pulmonar.(5,13,14) 
      A presença de derrame pleural pode ser facilmente avaliada através do USP, correspondendo a uma imagem escura (hipoecogênica) e homogênea nas regiões pendentes do tórax.

Figura 4: Uma imagem congelada de USP na base pulmonar direita. Observem a esquematização da imagem com seus respectivos nomes em cada estrutura.


Vídeo 3 - Derrame pleural



Pneumotórax 

        O USP é muito efetivo em descartar rapidamente pneumotórax, pois a presença de deslizamento pleural (ou sinal da praia) exclui esse diagnóstico (valor preditivo negativo de 100%). No caso de pneumotórax, sua avaliação deve iniciar nas áreas não pendentes do tórax, sendo que a interposição de ar entre as camadas da pleura impede seu deslizamento, impossibilitando a presença de linhas B (vide síndrome intersticial, abaixo) e restando apenas linhas A no exame de USP.

Figura 5: Ultrassom pulmonar em modo movimento. Um padrão normal é identificado à esquerda (em a), através do sinal da praia (imagem linear superficial), linha pleural (clara, indicada pela seta) e padrão granular homogêneo abaixo, que corresponde ao deslizamento pleural. A composição da imagem (região a + b) identifica o ponto pulmonar (P), além do padrão granular. Na área em b, os achados são lineares, não havendo documentação de deslizamento (sinal da estratosfera). Esses achados simultâneos são 100% específicos para pneumotórax. Adaptado com permissão de Bouhemad et al.


Vídeo 4 - Pneumotórax



Congestão Pulmonar 

      A presença de edema pulmonar ou infiltrado intersticial é caracterizada pelo espessamento dos septos interlobulares e por uma redução da aeração periférica, gerando as chamadas linhas B. Essas são artefatos verticais — que podem ser múltiplos no mesmo espaço intercostal — claros (hiperecogênicos), que se originam a partir da linha pleural e que se estendem ao fim da tela, apagando as linhas A nas suas intersecções. 
     As linhas B se movimentam em sincronia com o ciclo respiratório, e sua presença exclui o diagnóstico de pneumotórax.(4) Embora sua presença possa ser detectada em pulmões normais, seu número está diretamente relacionado com o grau de espessamento dos septos interlobulares e com a redução da aeração pulmonar. Estudos demonstram que a presença de linhas B com distância de 7 mm entre si está associada ao espessamento dos septos interlobulares causado por congestão venosa, enquanto linhas B com distância de 3 mm ou menos estão associadas a áreas de edema alveolar (correspondendo ao achado tomográfico de vidro fosco). Para fins práticos, a identificação de mais do que três linhas B em um espaço intercostal em áreas pulmonares não pendentes é considerado um achado anormal.
Figura 7: Linhas B no ultrassom pulmonar. Embora ocorra em indivíduos normais, seu número e intensidade são diretamente proporcionais ao grau de edema pulmonar, septal ou alveolar. Adaptado de Lichtenstein et al.


Vídeo 5 - Linhas B de Kerley


    O USP é uma técnica cujo uso tem sido expandido e pode prover informações acuradas e relevantes para o diagnóstico e a terapêutica de pacientes agudamente enfermos. Essa nova ferramenta, que tem o potencial de revolucionar a prática em pneumologia, tem sido utilizada por não especialistas de maneira integrada à avaliação clínica e ao exame físico, fornecendo dados complementares aos métodos de imagem atualmente disponíveis. 

       Um exame focado, simples e praticamente dicotômico permite inferir ou excluir uma diversidade de patologias, orientando a investigação e a monitorização da resposta às intervenções clínicas. Embora ainda haja a necessidade de uma padronização dos critérios de treinamento e certificação, esse é um método rápido, barato e amplamente disponível, e a incorporação dessa nova tecnologia deve se tornar progressivamente maior. 



Referências Bibliográficas. 
  1. Neto F.L.D; ET AL; Lung ultrasound in critically ill patients: a new diagnostic tool. J Bras Pneumol. 2012;38(2):246-256. 
  2. Funari M.B.G; ET AL. Advances in lung ultrasound. einstein. 2016;14(3):443-8 
  3. Soares E.C.S; ET AL. Lung and airway ultrassound in anesthesiology. Rev Med Minas Gerais 2014; 24(Supl 8): S27-S32 
  4. Bouhemad B, Zhang M, Lu Q, Rouby JJ. Clinical review: Bedside lung ultrasound in critical care practice. Crit Care. 2007. 
  5. Lichtenstein D. Lung ultrasound in the critically ill. Curr Opin Crit Care 2014 Jun;20(3):315-22.


Felipe Campos Ferreira
Fisioterapeuta e Coordenador na UTI - Adulto - Santa Casa de Misericórdia de Barretos - SP;

Fisioterapeuta Titular na UTI - Adulto - Hospital de Câncer de Barretos - SP;
Especialista em Fisioterapia em Terapia Intensiva - ASSOBRAFIR / COFFITO;
Aprimoramento em Fisioterapia Respiratória pela SCMP - MG;
Bacharelado em Fisioterapia - Claretiano - Batatais - SP.

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