domingo, 4 de agosto de 2019

TMI em pediatria – Parte II

TMI em pediatria – Parte II

            No primeiro post da série mostramos um relato de 2 casos de lactentes cardiopatas que foram treinados de forma distinta, mas que obtiveram êxito quanto ao ganho de força muscular inspiratória e consequentemente no desmame ventilatório. Falemos agora sobre as crianças maiores...
O primeiro estudo interessante sobre a temática em questão tem mais de 10 anos e dividiu 50 crianças asmáticas em 2 grupos: GE, que realizou TMI com Treshold (Figs. 1 e 2) com carga de 40%; e GC, que realizou consultas médicas mensais com educação em saúde baseada em orientações sobre a doença e seu controle, mantendo tratamento clínico medicamentoso1. Os resultados são impressionantes: o GE teve um aumento de 127% na PiMAX, 62% na PeMAX e de 80% no PFE! Este último parâmetro traduz a efetividade da tosse da criança. Por outro lado, o GC teve apenas um discreto aumento de 11% no PFT, não havendo aumento significativo nas pressões inspiratória e expiratória.
                                             Fig. 1

Em 2017 tivemos duas revisões, sendo a primeira voltada para um tema deveras polêmico: TMI em crianças com doença neuromuscular. O objetivo foi avaliar a segurança da técnica e sua efetividade, visto que em se tratando desta população a principal dúvida que nos surge é: “a imposição de carga pode acelerar a degradação proteica da musculatura ventilatória?”. Óbvio que a resposta para tal questionamento provavelmente depende de uma série de fatores, entre os quais a patologia da criança, estádio da doença em que se inicia o treino, bem como intensidade e volume de treino ofertados. A revisão encontrou 09 trabalhos, 02 deles ainda em curso. A maioria dos estudos (6) não encontrou nenhuma melhora nos testes de função pulmonar com o TMI, apesar de não ter sido relatado nenhum evento adverso com a utilização da técnica2.


                                          Fig. 2

A outra pesquisa de 2017 foi desenvolvida por fisioterapeutas brasileiros e consistiu em uma revisão integrativa que reuniu 17 artigos para identificar em que público pediátrico o TMI vinha sendo empregado, além dos principais protocolos de treino. A maioria dos estudos investigou o TMI em crianças com alguma doença neuromuscular, sendo a mais prevalente a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Quanto aos protocolos a diferença entre os estudos foi demasiada grande. A carga inicial variou de 30 a 80% da PiMAX e a duração do treino variou de 3 semanas a 2 anos. A frequência também teve discrepância, contudo em 8 artigos o treino foi realizado 2 x ao dia3.

                               Fig. 3

Por fim, ano passado colegas brasileiros publicaram um ensaio clínico de crianças com Paralisia Cerebral, onde randomizaram 25 crianças, sendo que 13 foram alocadas no grupo tratamento. A metodologia empregada e desfechos analisados são dignos de louvor. O grupo tratamento usou Treshold com carga de 30% e grupo controle fez uma terapia simulada utilizando o mesmo equipamento, porém com carga de 5%. Ambos os grupos treinaram por 6 semanas. O desfecho primário avaliado foi o controle de tronco, com melhor resultado para o grupo tratamento. Também tiveram diferença estatística significante entre os grupos os seguintes desfechos secundários: força muscular inspiratória, atividades de vida diária, capacidade de exercício funcional e qualidade de vida, todos otimizados no grupo tratamento4.
                                         Fig. 4

Com isto observamos os benefícios comprovados do TMI ainda em uma pequena população (asmáticos e neuropatas), carecendo de mais estudos em outras patologias, bem como nas crianças criticamente enfermas, dependentes ou não de ventilação mecânica invasiva. Em 2017 um grupo de 10 pesquisadores taiwaneses avaliaram por ultrassonografia a espessura do diafragma e a fração de espessamento diafragmático (FED) de crianças em ventilação mecânica invasiva, inclusive imediatamente após a extubação. Este último parâmetro consiste num índice obtido pelo cálculo = espessura na inspiração – espessura na expiração ÷ espessura na expiração x 100. Este índice tem se mostrado um parâmetro viável e acurado para avaliar o funcionamento diafragmático e o esforço respiratório em pacientes ventilados e não ventilados. 31 crianças internadas na UTI do Linkou Chang Gung Memorial Hospital, com média de idade de 3 anos foram avaliadas. A média do tempo de VM foi de 7 dias e do tempo de UTI foi de 9 dias. O detalhe mais interessante do estudo diz respeito à diferença do FED entre o grupo que obteve sucesso na extubação (23.9%) e o que falhou a extubação (14.5%). Os autores concluíram que uma FED inferior a 17% está relacionada a falha na extubação5.
                                     Fig. 5

Com base em tais premissas pode-se inferir que o TMI na UTI pediátrica pode constituir uma importantíssima ferramenta, carecendo obviamente de ensaios que investiguem seus potenciais benefícios a curto e longo prazo. Como instrumentos para tal temos os resistores lineares como o Powerbreathe e o Treshold IMT, que são os dispositivos mais apropriados para este fim, por permitirem a adequação exata da carga instituída aos músculos respiratórios. Importante atentar para a questão do espaço morto gerado pelo dispositivo, que como dissemos no primeiro post não deve exceder 1.5ml/kg. Atualmente já existe resistor linear pediátrico, com espaço morto menor, como é o caso do The Breather (Fig.3). Entretanto, não se pode descartar a possibilidade da utilização dos incentivadores respiratórios (Fig.4), dada a praticidade, menor custo e vantagem de feedback visual, que para a criança pequena é essencial à adesão da terapia. O Respiron Kids, por exemplo, além de ter a traquéia e esferas coloridas, vem com uma cartela de adesivos que podem ser colados no equipamento com o objetivo de facilitar a visualização da meta a ser atingida (Fig. 5). Muitos acreditam que as evidências afirmam que o Respiron não traz resultados positivos. Na verdade, as principais revisões dizem que os estudos não possuem qualidade científica suficiente para provar a eficácia da terapia, o que é diferente de dizer que possui evidência de que não funciona. Na pediatria, por exemplo, temos alguns ensaios em crianças com anemia falciforme onde foi possível reduzir a incidência da síndrome torácica aguda, que é a principal complicação da doença. Isto é, a eficácia de uma terapia depende do objetivo da mesma, do protocolo utilizado, da característica clínica da população estudada, entre outros fatores.

                               Fig. 6

Outra crítica ao incentivador a fluxo diz respeito ao fato de não se poder quantificar a carga. De fato, não é possível, mas pode-se estimar a mesma tendo como base uma tabela de variação da carga, em cmH2O, de acordo com o nível estabelecido no equipamento e quantidade de esferas mobilizadas, disponibilizada pelo fabricante (Fig. 6). O modelo Kids, por exemplo, fornece carga estimada de 4 a 20 cmH2O. Neste sentido, seria de suma importância a realização de mais estudos com este dispositivo para fins de fortalecimento muscular respiratório na população infantil. Enquanto isto, ainda prefiro concordar plenamente com o amigo que possui a mais vasta expertise em TMI no país, Dr. Mateus Esquível: “Nessa idade faz Respiron!”.




Prof. MSc. Paulo Andrade
Mestre em Doenças Tropicais
Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal
Fisioterapeuta intensivista do Hospital Universitário HUJBB
Fisioterapeuta da UTI PED do Hospital de Clínicas HCGV
Docente de 05 cursos de Pós-Graduação em Terapia Intensiva
Orientador da LAFIPEN


Priscila Santos Lima
Acadêmica de Fisioterapia da UNAMA
Estagiária da FHCGV
Membro efetivo da LAFIPEN

Referências
·         1. Lima EVNCL, Lima WL, Nobre A , Santos AM, Brito LMO, Costa MRSRC. Inspiratory muscle training and respiratory exercises in children with asthma. J Bras Pneumol. 2008;34(8):552-558

·         2. Human A,  Corten L , Jelsma J , Morrow B. Inspiratory muscle training for children and adolescents with neuromuscular diseases: A systematic review. Neuromuscular Disorders 27 (2017)503-517

·         3. Woszezenki CT, Heinzmann-Filho JP, Donadio MVF. Inspiratory muscle training in pediatrics: main indications and technical characteristics of the protocols. Fisioter. Mov., Curitiba, v.30, Suppl 1, 2017, e-ISSN 1980-5918

·         4. Keles MN, Elbasana B, Apaydina U, Aribas Z, Bakirtas A, Kokturkc N. Effects of inspiratory muscle training in children with cerebral palsy: a randomized controlled Trial. Brazilian Journal of Physical Therapy 2018;22(6):493-501

·         5. Lee E, Hsia S, Hsiao H, Chen M, Lin J, Chan O, Lin C, Yang M, Liao S, Lai S. Evaluation of diaphragmatic function in mechanically ventilated children: An ultrasound study. . PLoS ONE 12(8): e0183560. https://doi.org/10.1371/journal. pone.0183560



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