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É possível treinar
músculo respiratório em lactentes?
É fato consumado que o treinamento
muscular inspiratório (TMI) facilita o desmame ventilatório de pacientes
adultos em desmame difícil ou prolongado. Todavia, na pediatria sempre ficamos
atrás em termos de quantidade e qualidade de estudos clínicos que nos forneçam
parâmetros palpáveis a fim de justificar a necessidade de determinadas
intervenções.
Seria estranho supor que a criança
pode evoluir para uma dificuldade no desmame ventilatório tanto quanto o adulto
ou até mais facilmente? Se analisarmos as diferenças anatômicas e fisiológicas
sobretudo dos lactentes (menores de 2 anos) em relação ao adulto chegaremos à
conclusão que isso pode ocorrer. Vejamos:
1) A começar pelo diâmetro reduzido das vias aéreas, o
que pela lei de Poiseuille exige a geração de pressão maior para que ocorra o
fluxo de ar para os pulmões. E quem gera essa pressão? Justamente... os
músculos respiratórios. Sem contar que pela lei de Laplace quanto menor o raio
do alvéolo maior a pressão necessária para abri-lo, corroborando novamente para
uma sobrecarga muscular nos pequeninos;
2) A maior complacência da caixa torácica altera o
ângulo costovertebral para próximo de 90º, deixando as costelas mais
horizontalizadas e o diafragma em desvantagem mecânica por reduzir sua zona de
aposição;
3) A taxa metabólica da criança é bem mais elevada.
Seu gasto energético pode levar a um consumo de O2 em torno de 6 a 8ml/kg/min,
enquanto no adulto não costuma passar de 4ml/kg/min, novamente exigindo mais do
músculo respiratório.
E se
fôssemos listar cada uma das desvantagens o texto ficaria demasiado longo, não
sendo este o objetivo aqui, mas entre estas estão a ausência de ventilação
colateral, CRF menor, menos fibras resistentes à fadiga no diafragma, menor
suporte cartilaginoso, etc. Com base neste raciocínio não seria interessante
aplicar o tão promissor TMI nos lactentes com risco para ventilação mecânica
(VM) prolongada? Sem dúvidas seria, mas como mensurar a PiMax destes pacientes
ou realizar este treino já que não podemos contar com a colaboração dos mesmos?
A
fisioterapeuta PhD Bárbara Smith, da Universidade da Flórida (USA), apresentou
uma proposta em seu trabalho intitulado “Treinamento de força muscular
inspiratória em lactentes com doença cardíaca congênita e ventilação mecânica
prolongada: um relato de casos”. O artigo inicia enfatizando a “disfunção
diafragmática induzida pelo ventilador”. Tal disfunção gera uma capacidade
reduzida de gerar pressões inspiratórias adequadas, o que dificulta o processo
de desmame ventilatório e extubação, aumentando a morbidade e mortalidade.
O estudo relata o caso de duas
crianças em pós operatório (PO) de correção de cardiopatia congênita, uma com 4
meses de vida e diagnóstico prévio de truncus
arteriosus (TA), e outra com 3 meses de idade em PO de tetralogia de Fallot
(T4F). Ambas foram submetidas ao TMI associado a estratégias convencionais para
facilitar o desmame no PO.
No caso 1 a criança foi submetida à
correção com 11 dias de vida, chegou a ser extubada e teve alta hospitalar em
seu 81º dia de vida, retornando para o hospital após 3 dias com quadro de
insuficiência respiratória. Falhou em 3 tentativas de extubação e em seu 147º
dia de vida foi submetida a avaliação para indicação do TMI.
O caso 2 foi submetido à cirurgia
reparadora em seu 49º dia de vida. Também falhou em diversas tentativas de
desmame ventilatório, sendo que sua avaliação para indicação do TMI ocorreu no
112º dia de vida.
Para avaliação da força muscular
inspiratória o paciente era desconectado da VM e então o TOT era conectado a
uma válvula unidirecional e um adaptador de monitorização respiratória. A
válvula permite apenas a expiração sendo que a PiMax era considerada o maior
valor pressórico obtido em 4 tentativas, cada uma com o tempo de oclusão de 15
segundos (Fig. 1). Para ambos os bebês, a fraqueza do músculo ventilatório foi
confirmada, indicando nas crianças 1 e 2 uma diminuição de aproximadamente 30%
e 60%, respectivamente, em relação aos valores de referência para a idade.
Fig. 1
O treinamento muscular foi
realizado de 5 a 6 manhãs por semana, da seguinte forma:
Caso 1 = válvula unidirecional, com
quatro oclusões de 15 segundos, cada uma incorporando 8 a 10 tentativas
inspiratórias e pelo menos 3 minutos de descanso entre as oclusões.
Caso 2 = válvula de PEEP invertida,
4 séries de 8 a 12 esforços, mesmo intervalo, utilizando a resistência mais alta
que o bebê conseguia vencer gerando um VC de pelo menos 50% do basal.
Além das sessões de TMI, a equipe
de fisioterapia conduzia o desmame ventilatório, posicionamento e 2x por semana
realizavam estímulo sensóriomotor.
Será que obtiveram bons resultados?
Vejamos...
A
criança 1 realizou 13 sessões em 15 dias, teve um aumento da PiMax em 14% e do
VC espontâneo em repouso em quase 60%. Em seguida foi extubado, colocado na
cânula de alto fluxo e com 2 semanas pós extubação recebeu alta hospitalar.
Importante ressaltar que o TOT deste bebê não tinha cuff, portanto o pequeno
fluxo ao redor do tubo durante o TMI prevenia uma contração puramente
“isométrica”.
A criança
2 realizou 5 sessões em 7 dias, com uma carga inicial de 7,5 e final de 10
cmH2O. Sua PiMax aumentou em 76% e o VC basal em 28%, tendo também redução da
FR em 25%. Foi extubada com sucesso, tendo ficado em CNAF e recebido alta 4
semanas após.
Vale
frisar que antes do TMI foi realizada uma avaliação detalhada com ECO,
Hemograma, equilíbrio ácido básico, débito urinário e Rx de tórax para
descartar qualquer possível contraindicação da técnica. Durante as sessões eram
monitorizados, além de outros parâmetros, PA, FC, SpO2 e etCO2. Não houve
nenhuma complicação durante o treinamento e nem alteração na saturação, sendo as
crianças monitorizadas por 15min após cada intervenção. Apenas a PA sistêmica
obteve discreta elevação, que retornou aos níveis basais de 3 a 5 min após o
treino.
Uma
dificuldade encontrada por nós fisioterapeutas da neo e ped reside no fato de
não dispormos de dispositivos de TMI específicos para nossa população. Os dispositivos
encontrados no mercado possuem um espaço morto em torno de 30 a 40ml, sendo que
os lactentes do presente estudo tinham um VC em torno de 20ml. O guideline da
ATS (American Thoracic Society) recomenda que estes dispositivos devem ter
espaço morto ≤1.5ml/kg. Nos casos aqui expostos tínhamos 5ml de espaço morto no
caso 1 (válvula uni + sensor de monitoramento) e 15ml no caso 2 (válvula de
PEEP + sensor).
Desta maneira, o presente estudo
demonstra que o treinamento foi bem tolerado em ambas as crianças em PO de
cardiopatia cianogênica, com dificuldade de desmame no pós-operatório e
disfunção muscular inspiratória. Contudo, ainda não há protocolos específicos
voltados para neonatologia e pediatria, sendo necessários mais estudos que
determinem se de fato o treino muscular inspiratório capaz de proporcionar
desempenhos muscular significativo e beneficiar o desmame ventilatório.
PAULO ANDRADE
Docente da
Pós-graduação em Terapia Intensiva (UFPA, CESUPA e INSPIRAR)
Especialista
Profissional em Terapia Intensiva Ped e Neo (COFFITO/ASSOBRAFIR)
Fisioterapeuta do
Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV)
Mestre em Doenças
Tropicais (UFPA)
Orientador da Liga
Acadêmica de Fisioterapia em Pediatria e Neonatologia (LAFIPEN)
JAMILLY SOUZA
Pós-graduada em
Terapia Intensiva (UFPA)
Especialista em
Saúde da Mulher e da Criança (Residência UEPA/Santa Casa)
Fisioterapeuta do
Hospital Porto Dias e Hospital Adventista de Belém
Preceptora do
Estágio em Fisioterapia Hospitalar Materno-infantil e Comunitária (UNAMA)
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